quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Teatro de Rua (Cena Final)


Um acorde
Silêncio.
Nenhum passo é ouvido
Espero.
Dá pra sentir, no rosto, a chuva rala que cai
Inexorável
Tal qual minha austera certeza
Há ligeira brisa no ar
Aprecio o clima - meu favorito.
O céu, pintado de um azul quase negro
Aperta minha palma enrubescida...
Atento-me para uma voz
"Um artista. Eis o que ele foi."
Desço um andar
Ouço melhor
"Um ser humano incomparável
Dotado de tamanha sensibilidade
Com um coração jamais igual visto"
Esboço um sorriso
Não é de alegria, eu sei.
Há algo debochado em meu olhar
Outra voz rasga o ar
"Um melhor amigo que alguém já pôde ter!
Dotado de tamanha sensibilidade
Com um coração jamais igual visto"
Começo a perder o interesse
Em seguida, vejo a cena principal:
O grande cofre de claro marfim começa a imergir no solo
Observo lágrimas 
E parecem tão sinceras
Mas começo a refletir
E as questiono.
Por que, então, não me foram dadas nos anos anteriores?
Por que tais palavras, ditas com tanta verdade
Não me foram proferidas
Enquanto meu corpo transitava junto a vossos corpos?
Parto.
Deixando para trás, completamente
Todas aquelas pessoas que ouvi com pesar.
Procuro por um isqueiro em um dos bolsos de meu paletó
E acendo outro cigarro
Enquanto trago, penso:
Um pequeno artigo indefinido no mundo
Dotado de tamanha sensibilidade
Com um coração jamais igual visto.

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