quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Escrituras

Sei que as coisas já não são mais
O que costumavam ser há algum tempo atrás
Você, como eu, tinha um grande ideal
Que ninguém roubaria
Ninguém roubaria

Mas a noite chegou e as crianças cresceram
As flores se abriram, as flores morreram
O tempo passou e a verdade chegou:
Não somos mais tão juvenis

Escrevemos no chão para lermos no céu
E tivemos um sonho desenhado no papel
Mas você não seguiu o roteiro
Ah, você preferiu de outro jeito

Você lê o mundo, assim como eu faço
E pode julgar, eu sei. É o compasso do passo
A lógica é simples: você já sacou
E agora, minha amiga... O que nos restou?

Sua sabedoria - que sempre questionei
Era vã - eu sabia! -, mas não lhe contei
Que você resolveu olhar pra outro céu
E você escolheu olhar pra outro céu

As escrituras nos mostram o que escondemos
O que os outros guardam
Deixe que fique com eles...
Deixe que deixem com eles...

Não nos diga como as pessoas deviam ser
Não garanta que tudo do mundo você pode conhecer
Sua palavra não é a voz superior
Sua arrogância, minha amiga...
Ah, sua arrogância
Te desmoronou

E sei, você sempre quis
Boa classe, luxo e grana
Sufocar sua alma
Jogá-la na lama
Pra mim, você sabe
Isso nunca foi nada...
Você nunca foi nada...

Você não sabe nada
Você não sabe nada....

Teatro de Rua (Cena Final)


Um acorde
Silêncio.
Nenhum passo é ouvido
Espero.
Dá pra sentir, no rosto, a chuva rala que cai
Inexorável
Tal qual minha austera certeza
Há ligeira brisa no ar
Aprecio o clima - meu favorito.
O céu, pintado de um azul quase negro
Aperta minha palma enrubescida...
Atento-me para uma voz
"Um artista. Eis o que ele foi."
Desço um andar
Ouço melhor
"Um ser humano incomparável
Dotado de tamanha sensibilidade
Com um coração jamais igual visto"
Esboço um sorriso
Não é de alegria, eu sei.
Há algo debochado em meu olhar
Outra voz rasga o ar
"Um melhor amigo que alguém já pôde ter!
Dotado de tamanha sensibilidade
Com um coração jamais igual visto"
Começo a perder o interesse
Em seguida, vejo a cena principal:
O grande cofre de claro marfim começa a imergir no solo
Observo lágrimas 
E parecem tão sinceras
Mas começo a refletir
E as questiono.
Por que, então, não me foram dadas nos anos anteriores?
Por que tais palavras, ditas com tanta verdade
Não me foram proferidas
Enquanto meu corpo transitava junto a vossos corpos?
Parto.
Deixando para trás, completamente
Todas aquelas pessoas que ouvi com pesar.
Procuro por um isqueiro em um dos bolsos de meu paletó
E acendo outro cigarro
Enquanto trago, penso:
Um pequeno artigo indefinido no mundo
Dotado de tamanha sensibilidade
Com um coração jamais igual visto.